[Soloterapia #63] Pelo direito de ser uma flâneuse
Uma mulher sozinha na rua nunca é invisível. Uma mulher sozinha na rua é apenas meio livre, porque sempre haverá uma preocupação nos rondando.
Uma das atividades que mais gosto de fazer quando viajo sozinha é caminhar. Andar solta por cidades desconhecidas me dá uma sensação de liberdade e de poder. A cada passo dado, a cada esquina desbravada sinto como se dominasse aquele novo lugar. Ele vai se tornando familiar e eu me torno pertencente. E, claro, me possibilita descobrir cantos, prédios e sensações que não encontro em nenhum guia.
“E então opto em seguir pela ponte, os lampiões logo serão acesos e o rio estará no mesmo lugar amanhã, mas será outro rio, a literatura me contou este segredo anos atrás, e eu serei outra também, pois andar nos transforma. Calçarei sapatos confortáveis e minhas pernas me levarão, mais uma vez, a parques, avenidas, rooftops, livrarias. Não sinto medo ou solidão. Levo a alma para ser curtida ao sol. Caminhando, faço parte da vida.” Martha Medeiros, na crônica “No fluxo”.
“Cada mudança de rumo era um lembrete de que o dia era meu e não precisava estar em nenhum lugar que não quisesse. Supreendentemente estava imune à responsabilidade, porque não tinha ambição alguma a não ser fazer apenas o que achasse interessante.” Lauren Elkin, em seu maravilhoso livro (que estou lendo nesse momento, “Flâneuse: mulheres que caminham pela cidade em Paris, Nova York, Tóquio, Veneza e Londres”).
Flanar pelas ruas também tem um apelo terapêutico. Por isso, também é algo que costumo fazer na minha própria cidade. Qualquer oportunidade de andar, eu tô andando. Me ajuda a colocar os pensamentos em ordem e me faz presente. A cada passo dado, a cada esquina dobrada, um nó desfeito.
“Flanar é tão necessário quanto a solidão: é assim que a mente segue fértil.” Martha Gellhorn.
Recentemente, descobri que tem um termo para isso, belíssimo, aliás, e em francês: flâneuse. Significado: mulher que percorre as cidades, observando e criando.
Mas nem sempre a rua pertenceu ou foi lugar de mulheres.
A figura do flâneur era exclusivamente masculina, já que as mulheres não tinham a mesma liberdade dos homens de vagarem pelas cidades. Os motivos: geralmente, as mulheres estavam ocupadas com questões domésticas e nunca foi muito seguro para elas caminharem soltas. Uma mulher sozinha na rua nunca é invisível. Uma mulher sozinha na rua é apenas meio livre, porque sempre haverá uma preocupação nos rondando.
“Uma flâneuse nunca é despreocupada, ela precisa desviar do olhar inquiridor de julgamentos, de admiradores ou do assédio. E, para validar sua perambulação, a flâneuse precisa não ser vista. Porém, é justamente esse frustrante paradoxo que nos leva a desafiar a prática da flâneuse em outras instâncias, como um documento de resiliência, que celebra figuras femininas lutando para serem vistas – de outra maneira”. Lauren Elkin
O ato de flanar é completamente diferente para as mulheres. Por isso, quando converso com alguns homens que consomem meu conteúdo por encontrar dificuldades nessa vivência da solitude digo que, para nós mulheres, “o buraco é sempre mais embaixo”, porque as barreiras são bem mais altas. E não acho que a solução esteja em se igualar mas sim, em redefinir o nosso conceito.
Vocês já me leram ou já me ouviram falar que viajar sozinha é um ato revolucionário. Penso assim pois acredito que devemos valer das nossas conquistas e expandi-las. Precisamos ocupar o espaço público seja andando sozinhas, comendo em restaurantes sozinhas ou viajando sozinhas. Assim, libertamos a nós e as próximas. Hoje, me encorajo a caminhar por aí graças a uma mulher que, lá atrás, não aceitou essa imposição. Essa, para mim, é a diferença entre ser uma flâneuse e um flâneur.
“Esse é o ato transgressor. Sendo mulher, a gente não precisa ficar perambulando com uma jaqueta de náilon para ser subversiva. Basta sair de casa”. Lauren Elkin
Bora para os quadros da semana?
Criei um quadro novo só para poder compartilhar o post da Maria de Fátima, da novela Vale Tudo, que tem tudo a ver com nosso universo de solitude. A legenda da foto foi: “Você precisa ser sua melhor companhia!” Mary of Faty descobrindo os prazeres de estar sozinha = )
E fiquei com vontade de criar o quadro Solo Fofocas para a gente comentar toda a questão Bella Campos x Cauã Reymond que rolou essa semana, até porque também envolve nosso universo feminino. Inclusive, deixarei aqui o episódio do Podcast “Bom dia, Obvious” em que a Mari Goldfarb (ex do Cauã) relata detalhes de um relacionamento abusivo que sofreu. Sempre importante termos contato com esse tipo de conteúdo pois precisamos estar sempre atentas.
Essa semana, assisti um filme que estava na minha listinha desde o ano passado. Ele quase concorreu ao Oscar desse ano, na categoria de filme estrangeiro, mas acabou não selecionado. Eu sigo chocada que Emilia Perez entrou e essa maravilha tailandesa ficou de fora.
O filme tem um nome estranho e não consegue transmitir sua essência, mas acreditem em mim e deem uma chance: “Como ganhar milhões antes que a vovó morra.”
E mais um conselho: preparem o lencinho! Eu chorei horrores porque ele trata de temas bem sensíveis e que todo mundo consegue se relacionar. Um rapaz decide cuidar de sua avó, que foi diagnosticada com um câncer terminal, mas ele tem interesses financeiros por trás disso. Então, a história vai se desenrolar mostrando esse cotidiano deles e as desavenças familiares pela necessidade dos cuidados da idosa e pela futura herança.
Me marcou muito porque me dói ver essa insensibilidade oportunista que acontece em muitas famílias. E o filme consegue nos mostrar que também é possível amadurecer e transformar isso já que, no final das contas, o que ficam são os laços, o afeto e a presença dos que amamos.
Outra parte me tocou bastante e sabemos que é bem comum em certas culturas mais machistas. Uma das filhas da vovó diz: “Filhos herdam a casa, filhas herdam o câncer.”, em referência à obrigação desse cuidado recair sempre sobre as mulheres. Já falei um pouco sobre isso na Soloterapia #36 em que contei da partida da minha tia e das reflexões que fiz a partir dessa perda. Clica aqui para ler.
O final dele é surpreendente e, com certeza, vai te emocionar, porque deixa bem claro que a herança que mais importa não tem a ver com dinheiro. Está na Netflix.
Para ler todas as minhas crônicas de viagem, embarcar comigo nas minhas reflexões sobre solitude e viagem solita e ainda pegar várias dicas para as suas aventuras solo é só clicar nesse link e comprar meu livro digital Tô indo viajar sozinha.
E se ainda tá cheia de medos e inseguranças, precisando destravar suas viagens sozinha, te espero lá no meu programa online Solitas. Clica aqui para conhecer e se inscrever!
Espero que tenham curtido a Soloterapia de hoje! Nos vemos no próximo domingo =)
Beijos,
Flavia Goulart